A biografia e a autobiografia

A BIOGRAFIA E A AUTOBIOGRAFIA - A biografia e a autobiografia

Vamos aprender um pouco mais sobre a biografia e a autobiografia?

A biografia

A biografia é um gênero literário que tem por objetivo descrever e relatar fatos sobre a vida de uma pessoa famosa ou ilustre. Para isso, é importante observar alguns aspectos fundamentais, como, por exemplo, o nome, a data, o local de nascimento, a filiação, a profissão, os fatos mais marcantes e as premiações.

 

 

A biografia é escrita por outra pessoa, conhecida como biógrafo. Ela obtém os dados sobre quem deseja escrever através de documentos, cartas e relatos de testemunhas. 

Exemplo de biografia:

Cinderela negra – 
A saga de Carolina Maria de Jesus Carolina Maria de Jesus foi uma figura ímpar. Viveu sozinha, com três filhos – um de cada pai – em uma favela na cidade de São Paulo, desde 1947. Descendente de escravos africanos, nasceu em 1914, em Sacramento, um vilarejo rural no Estado de Minas Gerias e foi à escola apenas até o segundo ano primário. Trabalhou na roça com a mãe, desde muito cedo. Depois, ambas foram empregadas domésticas. Já em São Paulo, na favela do Canindé, como catadora de papel e mãe de três filhos, escrevia folhas e folhas de histórias reais e imaginadas. Um dia, um jovem jornalista teve acesso a estes escritos e conseguiu ajudá-la a publicar o seu “Quarto de despejo”, em 1960. O sucesso foi imediato. Vendeu o equivalente, naquele ano, a Jorge Amado. Seu livro foi publicado em 13 línguas, em mais de 40 países Porém, sua trajetória, até a morte na década de 70, foi incomum e perturbadora. Carolina não se “enquadrou” como escritora famosa.(…). Em pouco tempo, ela foi forçada a voltar à condição de pobre, com dificuldades de sobrevivência. Na miséria viu terminarem seus dias, em 1977.”

(adaptado do livro “Cinderela negra – A saga de Carolina Maria de Jesus”, de José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine, Editora da UERJ, Rio de Janeiro, 1994)

 

A autobiografia

A autobiografia segue os mesmos padrões da biografia, no entanto, é escrita pelo próprio biografado que é o personagem principal do livro. Sendo assim, pode abranger confissões e relatos bastante pessoais. Apesar disso, não pode ser considerada um documento histórico, pois nela pode conter tramas de ficção criadas pelo próprio autor com o objetivo de tornar o texto ainda mais interessante para o leitor. 

Quanto à forma, há diversas possibilidades para a elaboração da autobiografia. Ela pode ser escrita em forma de diário, poema, memórias, música, carta e roteiro. A narração, normalmente é feita na primeira pessoa do singular. 

A autobiografia vai além de transmitir informações a respeito de uma pessoa ilustre, ela apresenta também, um caráter social que promove a integração coletiva, já que o biografado compartilha com o público suas impressões, sua visão de mundo e suas perspectivas em relação à vida.

 

Exemplos de autobiografia:

“Meu pai me legou seus 34, vividos com duvidosos amores, desejos escondidos. Minha mãe me destinou seus 23, marcados com traições e perdas. Assim, somados, o que herdei foi a capacidade de associar amor ao sofrimento… Morava numa cidade pequena do interior de Minas, enfeitada de rezas, procissões, novenas e pecados. Cidade com sabor de laranja-serra-d’água, onde minha solidão já pressentida era tomada pelo vigário, professora, padrinho, beata, como exemplo de perfeição. (…) Meu pai não passeou comigo montado em seus ombros, nem minha mãe cantou cantigas de ninar para me trazer o sono. 

Mesmo nascendo com 57 anos estava aos 60 obrigado ainda a ser criança. E ser menino era honrar pai com seus amores ocultos. Gostar da mãe e seus suspiros de desventuras. (…) Tive uma educação primorosa. Minha primeira cartilha foi o olhar do meu pai, que me autorizava a comer ou não mais um doce nas festas de aniversário. Comer com a boca fechada, é claro, para ficar mais bonito e meu pai receber elogios pelo filho contido que ele tinha. E cada dia eu era visto como a mais exemplar das crianças, naquela cidade onde a liberdade nunca tinha aberto as asas sobre nós. Mas a originalidade de minha mãe ninguém poderá desconhecer. Ela era capaz de dizer coisas que nenhuma mãe do mundo dizia, como por exemplo: – Você, quando crescer vai ter um filho igual a você. Deus há de me atender, para você passar pelo que eu estou passando. – Mãe é uma só.” 

Bartolomeu Campos Queiroz, em Abramovich, Fanny (org.) – “O mito da infância feliz”. Summus, São Paulo, 1983). 

A autobiografia pode apresentar também, alguns traços de sátira:

“Aí eu peguei e nasci! Sou filho de árabe com loira e deu macaco na cabeça. E eu não tenho 56 anos. Eu tenho 18 anos. Com 38 de experiência. E eu era um menino asmático que ficava lendo Proust e ouvindo programa de terror no rádio. Em 69 entrei pra Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Mas eu matava aula com o namorado da Wanderléa pra ir assistir o programa de rádio do Erasmo Carlos. E aí eu desisti. Senhor Juiz, Pare Agora! E aí eu fui pra swinging London, usava calça boca de sino, cabelo comprido e assisti ao show dos Rolling Stones no Hyde Park. E fazia alguns bicos pra BBC. Voltei. Auge do tropicalismo. Frequentava as Dunas da Gal em Ipanema. Passei dois anos batendo palma pro pôr-do-sol e assistindo o show da Gal toda noite. E depois diz que hippie não faz nada! (…)”

José Simão, Biografia

“E lá vou eu de novo, sem freio nem paraquedas. 
Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. 
Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de ideias que só me saíam gêmeas as palavras – reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. 
Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. 
Agora estou bem, já não dói nada. 
Quem é que sou eu? 
Ah, que posso dizer? Como me espanta! 
Já não fazem Millôres como antigamente! 
Nasci pequeno e cresci aos poucos. 
Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. 
Só muito tarde cheguei aos extremos. 
Cabeça, tronco e membros, eis tudo. 
E não me revolto. 
Fiz três revoluções, todas perdidas. 
A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. 
A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. 
A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.” 

Millôr (Autobiografia De Mim Mesmo À Maneira De Mim Próprio).

 

Brinquedoteca – Rubem Alves

“Vocês, crianças que leem as minhas estórias, frequentemente ficam curiosas sobre a minha vida. Eu conto. Eu nasci, faz muito tempo, no dia 15 de setembro de 1933, numa cidade do Sul de Minas Gerais, Boa Esperança (procurem no mapa). Façam as contas para saber quantos anos tenho agora. Meu pai foi muito rico, perdeu tudo, ficamos pobres, morei numa fazenda velha. 

Não tinha nem água, nem luz e nem privada dentro de casa. A água, a gente tinha de pegar na mina. A luz era de lamparina a querosene. A privada era uma casinha fora da casa. Casinha do lado de fora. Não precisava de brinquedos. Havia os cavalos, as vacas, as galinhas, os riachinhos, as pescarias. E eu gostava de ficar vendo o monjolo. Depois mudei para cidades: Lambari, Três Corações, Varginha.

Me divertia fazendo meus brinquedos. Brinquedo que a gente compra pronto não tem graça. Enjoa logo. Quantos brinquedos há no seu armário, esquecidos? Fazer o brinquedo é parte da brincadeira. Foi fazendo brinquedos que aprendi a usar as ferramentas, martelo, serrote, alicate. Gostava de andar de carrinho de rolimã. 

Brincava de soltar papagaio, bolinhas de gude, pião. Fiz um sinuquinha. Como a gente era pobre nunca tive velocípede ou bicicleta. Ainda hoje não sei andar de bicicleta. Depois nos mudamos para o Rio de Janeiro onde sofri muito. Os meninos cariocas caçoavam de mim por causa do meu sotaque de mineiro da roça.

Adoro escrever. Especialmente estórias para crianças. Já escrevi mais de trinta. Todas com ilustrações. Meus dois últimos livros para crianças são: – O gato que gostava de cenouras e A história dos três porquinhos (A estória que normalmente se conta não é a verdadeira. Eu escrevi a verdadeira…) . Para mim cada livro é um brinquedo.

Coisas que me dão alegria: ouvir música, ler, conversar com os amigos, andar nas matas, olhar a natureza, tomar banho de cachoeira, brincar com as minhas netas, armar quebra-cabeças, empinar pipas, cachorros. Fazer os próprios brinquedos e armar quebra-cabeças ajuda a desenvolver a inteligência. Cuidado com os brinquedos comprados prontos: eles podem emburrecer!” 

“Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilômetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de Sousa Saramago… Não foi este, porém, o único problema de identidade com que fui fadado no berço. Embora tivesse vindo ao mundo no dia 16 de Novembro de 1922, os meus documentos oficiais referem que nasci dois dias depois, a 18: foi graças a esta pequena fraude que a família escapou ao pagamento da multa por falta de declaração do nascimento no prazo legal.

Talvez por ter participado na Grande Guerra, em França, como soldado de artilharia, e conhecido outros ambientes, diferentes do viver da aldeia, meu pai decidiu, em 1924, deixar o trabalho do campo e trasladar-se com a família para Lisboa, onde começou a exercer a profissão de polícia de segurança pública, para a qual não se exigiam mais “habilitações literárias” (expressão comum então…) que ler, escrever e contar. Poucos meses depois de nos termos instalado na capital, morreria meu irmão Francisco, que era dois anos mais velho do que eu. Embora as condições em que vivíamos tivessem melhorado um pouco com a mudança, nunca viríamos a conhecer verdadeiro desafogo econômico. Já eu tinha 13 ou 14 anos quando passamos, enfim, a viver numa casa (pequeníssima) só para nós: até aí sempre tínhamos habitado em partes de casa, com outras famílias. Durante todo este tempo, e até à maioridade, foram muitos, e frequentemente prolongados, os períodos em que vivi na aldeia com os meus avós maternos, Jerônimo Melrinho e Josefa Caixinha.” 

José Saramago

 

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